quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Cazuza, solo encaixotado..



Cazuza tem uma das carreiras mais exploradas pela indústria, com um derramar de coletâneas, a maioria dos discos ainda em catálogo e agora uma caixa que reúne os cinco discos lançados em vida e um póstumo, além do DVD "Pra sempre" com 20 canções ao vivo e em clipes, e depoimentos sobre ele. Só é menos mal porque toda a grana aferida de direitos autorais sobre a obra dele vai para a Sociedade Viva Cazuza, que cuida de crianças soropositivas, sob a batuta de sua mãe, Lucinha Araújo.
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Cazuza saiu do Barão Vermelho no dia em que a banda ia assinar o contrato para a gravação do seu quarto disco, sucessor do estourado "Maior abandonado". Por incrível que pareça, a longo prazo foi melhor para o Barão, se considerarmos que a breve carreira solo dele foi pontuada pela luta contra a Aids, vencida pela doença em julho de 1990. O dilema que a banda enfrentou em 1985 surgiria mais cedo ou mais tarde e teria sido pior se fosse mais tarde.

Logo que saiu da banda, Cazuza caiu doente e falou comigo por telefone, de um quarto do hospital São Lucas, em Copacabana. No mesmo ano, saiu o primeiro disco, "Cazuza", com o primeiro "A" grafado como o símbolo da anarquia, usado pelo movimento punk como bandeira política e por ele como esbórnia. O estilo era pop rock meio pasteurizado, com algumas grandes canções. "Exagerado", "Medieval II", "Mal nenhum" (em parceria com Lobão, que a gravou melhor), "Codinome Beija-Flor" (uma obra prima inspirada por um beija-flor que viu na janela do quarto do hospital) e dois rocks, "Só as mães são felizes" (que deixou Lucinha chocada pela estrofe que falava em comer a mãe) e "Rock da descerebração". Como indústria e mídia sempre preferiram cantores a bandas, as atenções foram totais e um grande sucesso.Em 1987, saiu o segundo solo, "Só se for a dois", com a mesma roupagem sonora pasteurizada e algumas pérolas como a bluesie faixa-título, que tem interpretação arrasadora dele. O segundo sucesso do disco, "O nosso amor a gente inventa", é uma balada mais leve, que aponta para a futura transição rumo à MPB. À exceção de "Solidão que nada", as demais canções não brilham no currículo do Caju.
No mesmo ano, ele começou a ter sérios problemas de saúde causados pela Aids. Teve pneumonia e foi aos Estados Unidos para um tratamento experimental com um novo remédio, o AZT, que lhe deu força para voltar ao Brasil e gravar "Ideologia", que expressaria uma tendência para a MPB e para o protesto político. A primeira canção zangada foi a corrosiva "Brasil", composta para a trilha de "Rádio pirata", de Lael Rodrigues (passa no canal Brasil). A faixa título do terceiro disco, "Ideologia" (1988), também tinha uma cor política ao retratar a desilusão da geração dele no refrão "Meus heróis morreram de overdose/ Meus inimigos estão no poder/ Ideologia eu quero uma pra viver" com uma observação mordaz sobre sua opção sexual em "O meu prazer/ Agora é risco de vida". E ainda os geniais versos "Eu vou pagar a conta do analista/ Pra nunca mais ter que saber quem eu sou". A visita aos Estados Unidos para tratamento médico quando esteve bem mal inspirou o refrão de "Boas novas": "Senhoras e senhores/ trago boas novas/ Eu vi a cara da morte e ela estava viva".
Duas músicas apontavam para a MPB, o hit bossanovista "Faz parte do meu show" e a balada "Um trem para as estrelas", parceria com Gilberto Gil para o filme homônimo de Cacá Diegues. Gosto muito de “Blues da piedade”, uma levada forte e uma interpretação idem: “Vamos pedir piedade, senhor piedade/ Pra essa gente careta e covarde”.O álbum duplo "Burguesia" (1989) foi gravado por Cazuza já no limite de suas forças., Ele colocou muitas vozes deitado no estúdio. A faixa-título radicaliza o lado político ao abrir fogo contra a burguesia, sua sede de riqueza e desprezo pelo povão. Ele registrou parcerias muito felizes com Rita Lee ("Perto do fogo"), Angela Ro Ro ("Cobaias de Deus") e Lobão e Cartola ("Azul e amarelo"). Ele ainda teria forças para fazer um show, registrado ao vivo no Canecão em outubro de 1988, com um repertório impecável: "O tempo não pára".
A faixa-título era inédita e mais uma vez de natureza política no desabafado do "transformam o pais inteiro num puteiro/ Porque assim se ganha mais dinheiro". A abertura, com "Vida louca vida", de Lobão, refletia bem o momento nos versos "Já que eu não posso te levar/ Quero que você me leve". Inclui interpretações emocionantes de "Todo amor que houver nessa vida" e "Codinome beija-flor" e os sucessos da carreira solo. "Por aí..." é um CD póstumo gravado com sobras de estúdio de 1989 e 1986. Nada acrescenta. O último item da caixa é o DVD "Pra sempre" com gravações ao vivo, clipes e entrevistas já lançado anteriormente.

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